
Pirapora do Bom Jesus e as origens do samba paulista
Pesquisadores e estudiosos que se propõem a analisar as origens do samba paulista voltam sempre sua atenção a um pequeno município localizado às margens do Rio Tietê, a 54 quilômetros da cidade de São Paulo: Pirapora do Bom Jesus. Repleta de manifestações culturais e religiosas construídas ao longo de sua história, e que atraem uma série de turistas para a região, a cidade recebeu a alcunha de berço do samba paulista.
Pirapora era, a princípio, uma fazenda que pertencia à Santana de Parnaíba. Foi em 1730 que sua história ganhou novos contornos, quando escravos encontraram uma imagem de Senhor Bom Jesus às margens do Tietê e a cidade foi fundada.
A partir do episódio, uma série de milagres foi atribuída ao santo, tornando o município um destino para diversos fiéis. Escravos de outras regiões acompanhavam senhores que iam ao local para buscar milagres ou pagar promessas. Começaram a surgir, nesta época, os encontros protagonizados por batuqueiros do interior de São Paulo. Isso porque, enquanto o senhorio prestava-se às atividades religiosas, os escravos se dedicavam aos batuques.
Com a abolição da escravatura em 1888, os ex-escravos e seus descendentes seguiram com as visitas à Pirapora do Bom Jesus quando havia as romarias. Foram construídos, então, no início do século 20, dois galpões para as pessoas que não tinham onde se hospedar. Desta forma, os brancos ficavam em pensões e hotéis e os negros, nestes galpões, conhecidos como “barracões”.

Grupo Samba de Roda preserva origens do samba de Pirapora.
A aglutinação cultural dos costumes e músicas praticados pelos escravos libertos quando estavam nos barracões – onde faziam apresentações das formas de samba desenvolvidas em suas respectivas cidades – embalou o nascimento do samba paulista. Negros que vinham de Campinas, Capivari, Piracicaba, Sorocaba, Tietê, assim como de outras cidades do interior, praticavam o Samba Lenço, o Samba de Umbigada, o Tambu, o Samba Campineiro, entre outros estilos.
O bumbo, ou zabumba, passou a ser um instrumento de destaque nestes encontros, o que fez com que as denominações dos sambas praticados nos barracões fossem sintetizadas na expressão Samba de Bumbo, ou Samba de Pirapora.
A presença cada vez mais marcante dos batuqueiros em Pirapora tornou o pequeno município – que possui pouco mais de 100 quilômetros quadrados – um legítimo reduto do samba paulista, a partir das décadas de 1910 e 1920, sendo que os romeiros que visitavam a cidade passaram a se dividir entre os batuques e as celebrações religiosas.
Influenciando o samba da capital
O Samba de Bumbo praticado em Pirapora do Bom Jesus influenciou o samba realizado na capital do Estado de São Paulo, haja vista que vários de seus representantes, como o sambista Geraldo Filme, estiveram entre os frequentadores das festas religiosas de Pirapora. Considerado um dos maiores compositores de samba de São Paulo, Filme compôs o clássico “Batuque de Pirapora”: “Lá no barraco/ Tudo era alegria/ Nego batia na zabumba/ E o boi gemia/ Iniciado o neguinho/Num batuque de terreiro/ Samba de Piracicaba/ Tietê e campineiro”.
Outra personalidade do samba paulista que marcava presença nestes eventos era Dionísio Barbosa, fundador do primeiro grupo carnavalesco de São Paulo, o Grupo Barra Funda. Ele foi o primeiro a levar a grave sonoridade do bumbo para o carnaval de rua da capital paulista, na década de 1930. O instrumento passou depois a ser característica central nos cordões carnavalescos da cidade.
Hoje, Pirapora do Bom Jesus se tornou um dos principais destinos no Estado de São Paulo durante o carnaval. Os festejos nesta época do ano contam sempre com as clássicas marchinhas e o Samba de Bumbo.
A cidade possui ainda o Espaço Samba Vivo, conhecido também como Casa do Samba. Localizado no centro de Pirapora, o local apresenta uma exposição permanente sobre o samba paulista – com o registro de imagens das manifestações culturais na cidade – e propicia a reunião de grupos como o Samba de Roda, que honra a tradição dos batuqueiros em Pirapora do Bom Jesus.
O Samba de Roda é formado por cerca de 25 pessoas, todas nascidas em Pirapora. Os integrantes cresceram em meio à tradição do samba caipira, que carrega em sua essência ritmos africanos, dança e louvor ao santo padroeiro da cidade.
Dona Maria Esther é a puxadora do grupo. Com mais de 80 anos, ela sobrepõe a alegria do samba a quaisquer barreiras representadas pela idade. Foi esta jovial senhora, inclusive, que ajudou a fundar uma das mais antigas escolas de samba paulistanas, a Lavapés. Sem nunca perder o ânimo, ela continua participando ativamente dos desfiles de carnaval.